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Capítulo 2

Sorte

Mais uma cidade, mais um trabalho e mais uma festa. Com essa ideia, cheguei a São José do Rio Preto. Depois da primeira noite de show, tudo estava seguindo conforme o esperado: recebendo a alegria do público, o amor dos fãs e a gratidão do contratante.

Já estava pensando onde poderíamos comemorar o dia, quando uma notícia apareceu na TV ligada sem som. Um ataque havia acontecido naquela noite. Nada demais—não sei se a mídia gosta muito dessas coisas ou se a sociedade estava mais insensível. “VIOLÊNCIA”, a palavra apareceu na descrição do ocorrido. Em uma época de generalização, esse termo chama a atenção quando escolhido.

— Esse lugar é longe daqui? — perguntei ao contratante.

— Até que não. Nessa cidade, as coisas são relativamente perto — ele me respondeu gentilmente.

— Sabe como posso ir conhecer o local? — perguntei com um sorriso, correspondendo à gentileza.

— Tenho um amigo que trabalha na organização — respondeu solícito.

— Ah! Que bom! Agradeceria se conseguisse esse contato — falei com uma expressão meio vaga.

O contratante se afastou com uma leve inclinação do corpo, que interpretei como confirmação para atender meu pedido. Virei para Agnes, minha sobrinha-neta e baterista da banda—uma ótima baterista, puxou o talento musical da vó, minha mentora:

— Agnes, tenho que sair! Resolver aqueles assuntos. — Ela tem plena ciência do mundo em que vivemos. — Vá se divertir com o Richard e a galera… e o Wellington, se ele quiser ir. E fique atenta ao celular.

— Tio, algo que preciso me preocupar? — perguntou com um olhar de prece e cumplicidade.

— Até o momento, não. Vou te avisando.

...

Já em cima da moto, com o endereço do local e o contato do amigo, cheguei ao recinto. O show do after ainda estava acontecendo—sorte minha. Paguei o ingresso, metade do preço por causa da hora avançada—outra sorte minha. Entrei e procurei pelo lugar mais isolado e escuro. Chegando lá, havia uma dupla de policiais forenses, com viaturas monocromáticas e fitas de “Não ultrapasse”. Visualizei uma arquibancada alta destruída, muitas pegadas correndo dali e várias marcas de VIOLÊNCIA. Cheguei perto para ouvir a conversa:

— Eu nunca tinha visto isso! — exclamou um dos guardas para o outro.

— Nem eu… — O segundo guarda me olhou e se dirigiu a mim. — O que o senhor deseja por aqui?

— Só curioso com o incidente — realmente estava. — Estava em um show aqui — falei, mostrando a capa da guitarra nas costas — e fiquei sabendo do acidente e vim ver. Pelas marcas, não foi um acidente. O que aconteceu?

— Show aqui? Você não me parece do estilo do lugar. — Ele estava certo: jaqueta de couro preta, calça cinza-escuro e bota estilo militar não combinavam com o local.

— Estava fazendo o show de abertura. Acho que quiseram algo diferente. — Odeio mentir, mas precisava demonstrar demência. — O contratante pega meu preço, e eu faço meu show. — Essa parte saiu com orgulho do meu trabalho.

Antes da conversa continuar, senti uma presença. Um lupino. Me virei para identificar a origem: uma lupina. Era a Lu—nunca perguntei o nome completo. Me afastei da faixa policial e abri um sorriso genuíno. Linda, inteligente e com estilo—foi fácil. Nova sorte minha. Fui na direção dela para cumprimentar:

— Lu, quanto tempo! — me aproximei para um abraço fraternal.

— Realmente! Você sabe o que está acontecendo aqui? — direta ao ponto. No nosso ramo, isso pode ser a diferença entre um banquete seu ou do adversário.

— Um ataque garou! Não havia cápsulas de balas e pouco sangue. Acredito que um garou se descontrolou e outro—ou outros—tentaram conter. A polícia está na cena investigando. — Achei que era um bom resumo.

— Polícia? Um amigo é investigador, acho que pode ajudar. — Falou enquanto pegava o celular e buscava nos contatos.

— Alô, Han? … — Lu falou ao telefone. — Meu amigo Han pediu para nos encontrarmos. Você me dá uma carona?

— Claro! Com todo prazer! — Falei, pegando o capacete reserva. Não estava mentindo.

...

Alguns minutos depois—confesso que a ansiedade e a empolgação me tomaram um pouco e acelerei mais que o esperado—chegamos lá. Um homem de chapéu à noite, estatura um pouco menor que a média, terno rosa bem cortado e um olho sem íris nos recebeu:

— Olá, Lu, seja bem-vinda! — O Caolho nos recebeu com um sorriso de recepção e malícia. — Boa noite, amigo da Lu! — O sorriso continuava.

— O Raoul me trouxe direto do centro de eventos. O que aconteceu por lá? — direta ao ponto.

— Um despertado. Já está sob controle. Ele foi aconselhado e ungido pela benzedeira da comunidade. — Outra xamã já havia orientado o jovem rapaz.

— Ele e os rapazes logo estão aí…

Mal acabou de falar, chegou uma caminhonete grande, de onde desceu um homem vestindo uma jaqueta preta e olhos puxados—devia ser o Han:

— Boa noite, pessoal! Lu? Quanto tempo! — Chegou cumprimentando a todos e informando que mais gente estava para chegar: Boris e Dante.

Após um breve momento, ouvindo o ronco de um motor de carro esporte—nunca entendi qual a vantagem de correr sem poder sentir o vento no cabelo e o frio da noite—chegou mais um. Desta vez, um homem de terno, barba bem feita e olhos de certezas:

— Boa noite, senhor. Já tem candidato a prefeito? — Chegou me cumprimentando e oferecendo um santinho. — O papel é de origem vegetal e queima bem.

— Obrigado, não voto aqui — respondi, pegando o papel.

Após uma breve conversa, o Dante pediu um transporte para o tal Boris, que chegou em poucos instantes—o contratante estava certo: as coisas são perto—e com ele chegou o Jonny, o garou descontrolado. Ele estava mais calmo:

— Rapaz, está tudo bem? — perguntei com um tom seco e fraternal.

— Pareço bem? Minha vida está uma bagunça! Está tudo pelos ares! — Jonny respondeu com frustração e raiva.

— Garoto, você sente vontade de sucumbir aos desejos de antes? — perguntei, desta vez mantendo só o tom fraternal.

— Não! — respondeu meio confuso, procurando seus sentimentos.

— Podemos cuidar dele! — O Caolho se ofereceu com um sorriso largo e amigável. — Vou falar com o presidente da comunidade para encontrar um lar e acolhimento para ele.

— Bom! Um problema a menos! — Respondi aliviado. — Isso gerou alguma consequência? Tem algo mais rolando?

Eles se entreolharam rápido e começaram a contar sobre a contaminação gerada pela Hidroline, a tentativa de entrada furtiva nos escritórios, uma mancha negra na represa, a morte acidental do guarda—eles claramente não tinham controle da situação. Continuaram me contando como o Boris engoliu uma unidade de armazenamento e deixaram o corpo inerte na represa—precisava de mais informações para tomar o controle da situação. A Lu interrompeu:

— Está muito tarde! A noite foi longa para vocês. — O cansaço era visível nos olhos deles, e pela descrição, justificável também. — Raoul, me dá uma carona?

— Claro! Com todo prazer!

...

Minha rotina habitual, quando fora da minha cidade, começa acordando ao meio-dia: dedico um tempo para meditação, um treino na academia, trabalho nas músicas com a banda até o pôr do sol e me encontro com o cenário musical ou moto clubes da cidade para relaxar antes das apresentações da noite. Mas não hoje.

Ao acordar, liguei para a Lu:

— Bom dia! Lu falando! — atendeu rapidamente.

— Olá, Lu! Bom dia! Dormiu bem? — Realmente estava curioso sobre o sono dela, dependendo do augúrio, a qualidade do descanso pode revelar muitas coisas.

— Um pouco preocupada com o ocorrido, mas nada que atrapalhe meu sono! — Respondeu com uma voz disposta.

— Vou te pedir um favor—espero que tudo dê certo. Ligue para a galera e peça para irem ao Dom Pedro para um show, levemente entorpecidos.

— Claro! — respondeu com uma dúvida e um fundo de confiança.

Pulei a meditação da manhã e fui direto para a academia. Ao encontrar a banda, informei que faríamos a sequência do ritual essa noite:

— Minha favorita! Vou separar os tambores para adicionar na bateria — respondeu Agnes com sua disposição habitual para música.

— Você sabe que qualquer dia vai precisar me contar melhor sobre o que eu sou — indagou Richard, insistindo que estava pronto.

— Sequência ritual! Combinado! Ok! — Wellington, um pouco hesitante pela total ignorância sobre a alcateia.

Após o ensaio, me isolei para meditar e me preparar para o evento da noite. Existe algo grande acontecendo nessa cidade. Os espíritos estão inquietos. Eles querem me contar alguma coisa. Eles vão me contar.

...

Mais à noite, saí do isolamento da meditação. Havia uma pizza na mesa e uma lata vazia de cerveja. Fui até a geladeira, peguei uma lata e um pedaço de pizza. Segui a voz de Agnes e Richard na cobertura—eles estavam conversando sobre a letra de uma música nova que estamos compondo:

— Tio! Está para hoje à noite? — perguntou Agnes ao me aproximar.

— Estou… — No horizonte, vi um relâmpago cortando os céus escuros da noite, finalizando em uma nuvem vermelho-vivo. — Vocês viram isso?

— Isso? — Richard queria saber sobre meu susto.

— Alguma coisa do meu augúrio. — Se eles não viram, só os com sensibilidade alta devem ter visto. — Depois do show, se abriguem e cuidem do Wellington, se necessário.

— O cara não tem nada a ver com nosso estilo — Richard demonstrava insatisfação sempre que tinha oportunidade. — Como foi parar na nossa banda?

— Precisamos de um baixista, e o cara toca bem demais. Não faz perguntas, faz o trabalho dele e é pago — respondi com cara de insatisfeito.

— Não sabe, fica de boca fechada — Agnes debochou com um sorriso de lado.

— Vamos fazer o que temos de fazer. Estejam prontos. — Orientei com voz de conselho.

...

Nos bastidores do show, estávamos conferindo os instrumentos quando fui informado da chegada e presença do Caolho. Aparentemente, ele conhece as pessoas que trabalham no clube e a cidade toda. Eu achava que o candidato a prefeito era o Dante. Com uma garrafa de 5 litros de sangue de boi, ele me abordou:

— Oi! O que vai ser essa noite? — O Caolho perguntou empolgado.

— Vamos ter algumas respostas e talvez outras perguntas. — Os rituais sempre terminavam assim. — Você bebeu essa garrafa sozinho?

— Sim! — O Caolho estava claramente bem, mesmo com a grande quantidade de álcool.

— Esteja preparado, com olhos e mente abertos. — Sei que é fácil perder algum detalhe.

— Estou sempre disposto a absorver o que o mundo tem a oferecer. — Rapidamente respondeu, tirando da minha rosa um símbolo que gerou desconforto.

— Isso vai te ajudar? — Tentei esconder meu desconforto.

— Isso sempre me ajuda! — O Caolho, novamente empolgado.

— Espero que te ajude. — Finalizei a conversa, voltando para o instrumento.

...

A equipe do local nos informou que era hora do show. Caminhando na direção do palco, o Wellington e o Richard rapidamente me seguiram. Agnes chegou logo, me arrumando e tirando o batom borrado, seguida pelo Caolho, ajeitando a camisa:

— Que mal gosto! Já teve melhores. — Exclamei com tom de desaprovação.

Continuando no caminho do palco, coloquei a máscara, e a apresentação começou. Por uma hora e vinte minutos, introduzimos conceitos do ritual: respostas a certas declarações, alguns movimentos e símbolos. Quanto mais pessoas fazendo parte, maior a chance de sucesso.

Filhos de Gaia

O Olho da Tempestade⚡

Agnes começou com um ritmo ascendente no tambor, concluindo com um grito gutural, seguido por cânticos tribais misturados com guitarras, tambores, bateria e um vocal poderoso. Tudo começou a virar uma tempestade, com um furacão—e no olho do furacão estava a banda. Dentro da tempestade, imagens surgiram: um homem velho e magro vestindo um terno, rapidamente se transformando em pele decrépita e olhos brilhantes; um lugar afastado na zona rural, um salão com várias pessoas realizando um ritual rodeado por uma fumaça vermelha; e, finalmente, na represa, uma mancha negra, dentro da qual uma criatura negra emergia, com várias faces cravadas no corpo.

— Droga! A minha sorte acabou!

Banda tocando em um palco